Resenha do livro “Meio Seio” em O GLOBO

03.12.2012 - Livro


Em O GLOBO

Por Elias Fajardo

Os melhores perfumes costumam estar em pequenos frascos. Neste livro pequenino, “meio seio”, Nicolas Behr persegue a síntese e um clima de simplicidade para falar da relação amorosa. “Muito sexo, pouco texto”, avisa logo nos primeiros versos. De alguma maneira, o autor está sendo coerente com o seu pensamento, que o levou a declarar em entrevista: “Se eu tivesse que dizer como gostaria de ler ou escrever um poema nos dias de hoje, não hesitaria: não adianta colocar o poema num carro alegórico. Todos vão ver o carro alegórico. Eu gosto do estilo claro, limpo, direto. Sem rodeios, às vezes até sem poesia.”

Em “meio seio”, o poeta desdenha dos grandes gestos e dos versos apaixonados. O que ele quer mesmo é comprar pão quentinho para a amada todas as manhãs. E isto pode soar mais forte do que uma elaborada e complexa declaração de amor. Segundo o músico Chico César, em texto na orelha do livro, “é a mulher que ele canta agora. Todas e uma só. A dele e a de todos. A que está dentro da gente, a que a gente quer entrar nela, a mulher de verdade, de corpo e alma, desejo e turbulência, atração e negação”.

Na relação com o ser feminino, as indagações vão além do plano físico. O que fazer com o amor que a gente faz?, pergunta-se Nicolas Behr. A resposta: desfazer, já que tudo é transitório e a vida um longo e acidentado processo de construir e desconstruir. E o amor, este bicho escondido e fugidio, capaz de nos levar ao inferno ou ao paraíso, também está presente fora do plano humano. O autor imagina até sonhos eróticos de uma flor, banhados por pólens e estames, e a planta acorda toda molhadinha.

Radicado em Brasília desde os anos 1970, Nicolas Behr é um dos autores mais significativos da poesia marginal ou da Geração Mimeógrafo. Vendia seus livros de bar em bar na capital federal, recitava nas ruas e praças e aderiu ao informalismo bem humorado de uma geração que tem em Chacal outro de seus expoentes. Sua poesia era considerada pornográfica e subversiva pela ordem vigente. Assim, por ordem judicial, foi impedido de publicar de agosto de 1978 a março de 1979. Escreveu então a série “O que me der na telha”, diretamente em telhas frescas, que depois foram queimadas. No final da década de 80 engajou-se no movimento ambientalista e tornou-se produtor de espécies nativas do cerrado.

Em sua busca pela “não poesia” ou por uma linguagem que passe ao largo de todas as formalidades, ele constrói belos momentos, como este: “tocar seios/ como se tocam seios/ olhando”. Aí ele revela uma compreensão de que o erotismo se faz também e principalmente pelo olhar. Behr revela igualmente seu temperamento ao esbravejar contra o amor a ponto de xingá-lo com palavrões. Mas é sobretudo nos momentos de lirismo que ele conquista os leitores. São versos aparentemente triviais, como “o poeta/ moribundo/ pediu apenas/ que ela tirasse a roupa”. Por outro lado, o interesse não é tão intenso quando o episódico se torna quase banal, como nos versos em que a poesia de vida fácil se entrega ao lápis.

“meio seio” se beneficia intensamente da participação dos desenhos de Evandro Salles, cujo toque exato caminha desde imagens eroticamente explícitas que têm a ver com a obra de Carlos Zéfiro, até um clima sutil e surrealista que nos remete à delicadeza das ilustrações de Carlos Leão.

*Elias Fajardo é jornalista e escritor, autor de “Ser tão menino” (7Letras)

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