Escolhas: uma autobiografia intelectual, de Heloisa Buarque de Holanda

02.07.2012 - Livro


Sobre o livro

À primeira vista, Helô Buarque é incongruente e anárquica ou, como ela mesma já disse, “meio esquisita”. Digamos que seja. Será? Como definir uma pessoa que não se deixa nunca pegar, que vive em movimento, que está sempre fugindo para frente? E que se diverte em viajar quando se tenta estacioná-la?
Que é implausível, ah, isso ela é. Implausível, inquieta, incessante, inconformada. O gosto pelas formas e pelo espaço dessa arquiteta frustrada – arquiteta ou mestre de obras, não se sabe bem – lhe deu também o gosto de desconstruir e de desarrumar – para reconstruir e arrumar.
Nos anos 1960 quiseram fazer dela musa e ícone. Quando olharam para o monumento em construção, só havia uma mulher em movimento, já correndo em direção aos anos 1970. Como era tempo de resistência, ela resistiu à sua maneira e em sua trincheira. De onde se dizia haver um “vazio cultural”, ela desenterrou vinte e seis jovens poetas e revelou que, em meio às trevas da ditadura, havia iluminação poética, havia vida inteligente, havia esperança. Nem tudo estava perdido.
Quando, ainda no fim dessa década, a universidade, amordaçada, se refugiara no hermetismo, na abstração e no autismo, surgiu Helô com impressões de viagem. Mais do que uma tese, era o seu próprio percurso intelectual, era a autobiografia de uma geração, com “a marca suja da experiência vivenciada”. Com o mesmo desassombro com que quinze anos depois, por ocasião de outra tese, iria afrontar o despeito, a perfídia e a inveja, Helô enfrentou então o corpo mole do marasmo e a resistência da inércia. Teve a coragem de não esperar, como era de costume, que o objeto morresse para então analisá-lo.
Nos anos 1980, ao voltar dos Estados Unidos, onde passara dois anos, Helô rejeitou as modas antigas, inclusive as que tinha lançado, e lançou outras. Aos que lhe pediram um remake, um requentado, ela replicou com a retirada. Quando a agitação política virou cacoete e a militância virou retórica, ela disse: “Não estou nessa. Nada de agitação, nada de ocupar cargos estratégicos, nada de posição de tática, nada de espaço em jornal. A hora é de sentar e estudar. Agora chega, a hora é de ser competente.”
E voltou para dentro da universidade e foi estudar e foi escrever e foi editar e foi pesquisar. A mulher, o negro, o judeu, o homossexual. As diferenças.
Helô é uma metáfora da vida. Helô é matriz. A sua graça está no por vir, o seu estilo é o movimento. Daí a dificuldade. Como apreender o que se agita, captar o que se renova, paralisar o que é energia e movimento?
Helô Buarque não se descreve, aprecia-se. E não sei o que nela mais aprecio – essa mobilidade vital ou a sua emoção que não exclui o rigor, o seu afeto não abre mão da crítica, a generosidade sem pieguice, a inteligência sem afetação.
Ela tem razão: trata-se de uma mulher meio esquisita.
Zuenir Ventura

Sobre a autora

Heloisa Buarque de Hollanda nasceu no Rio de Janeiro, em 1939. É professora titular do setor de Teoria Crítica da Cultura da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, coordenadora do Programa Avançado de Cultura Contemporânea – PACC e diretora da Aeroplano. Autora de Macunaíma – da literatura ao cinema (1978), Impressões de viagem (1980) e Asdrúbal Trouxe o trombone – memórias de uma trupe solitária de comediantes que abalou os anos 70 (2004), entre outros. Organizadora de diversas antologias, entre as quais destacam-se 26 poetas hoje (1976), Esses poetas – uma antologia dos anos 90 (1998) e Enter – antologia digital (2009).