Entrevista de Marina Lima ao Saraiva Conteúdo

22.11.2012 - Livro

“Foi o jeito que encontrei de me reapresentar”, diz Marina Lima

Por Carolina Cunha

Em Saraiva CONTEÚDO

Marina Lima gosta de teoremas. Mas a lógica nem sempre tem respostas para explicar a vida. “Encontros são equações”, diz a cantora.

Pela equação da cabala, a cantora descobriu que pode ser do signo de libra. A notícia é uma revolução para quem sempre se viu como uma virginiana, abraçando todas as alegrias e defeitos que isso implica.

Com mais de 30 anos de carreira vividos em São Paulo, Marina Lima parece ter encontrado um pouco de calmaria. A sua voz continua marcante, só que está mais zen. Agora ela quer falar da sua vida. “Escrever sobre o quê?”, pergunta a cantora na introdução de Maneira de Ser, o seu primeiro livro, que chega às lojas em novembro pela editora Língua Geral.

Não era para ser uma biografia. “Foi o jeito que encontrei de me reapresentar”, diz. Mas ao olhar para sua linha do tempo, Marina fala dos artistas que gosta, dos romances que viveu, dos amigos de boteco e de palco, da família, e mostra a sua opinião sobre os 19 discos que gravou. Também estão lá o olhar afiado e crítico, os livros favoritos e os pecados fashionistas.

Maneira de Ser traz ainda textos que refletem quem é Marina Lima sob o olhar de gente como Caio Fernando Abreu, Hilda Hilst, Haroldo de Campos e Nelson Motta.

Difícil é um artista se abrir tanto. É como tocar num retrato clicado pela pessoa da foto. Um presente para o fã que sempre quis chegar mais perto das equações de Marina.

Você batizou o seu livro com o nome de uma canção, “Maneira de Ser”, de 1979. Por que a escolha dela?

Marina Lima. “Maneira de Ser” é o nome da primeira canção que fiz sozinha. Eu comecei a namorar a ideia do livro em 2008. Tudo partiu de um convite de uma das donas da editora Língua Geral. É claro que, como alguém que trabalha com música, o sonho era fazer um livro de partitura, mas não era o caso. Então, quis falar da minha vida e comecei a pensar quais assuntos eu queria colocar no livro. Nesse ínterim, eu me mudei para São Paulo. Aqui, algumas pessoas me ajudaram a organizar o projeto e dar a cara que eu queria para o livro, como Márcio Debellian. Aí tudo ficou mais fácil.

O livro não é uma biografia, mas traz colagens de fotos, textos, cartas, entrevistas e reflexões suas. Isso tudo também traz uma intimidade muito grande. Parece que abrimos um moleskine ou um blog. Como foi a escolha desse formato?

Marina Lima. Eu quis que fosse assim, eu adoro moleskine! (risos) Nunca passou pela minha cabeça e nunca tive nenhuma intenção de fazer uma biografia. Mas esse livro se tornou um caderno de afetos. Mostro pessoas, assuntos e histórias que queria contar neste momento atual, para as pessoas saberem quem sou, como sou e para onde vão me olhar. Tem coisas do passado que são importantes, e são bagagens que continuam comigo e me tornaram o que sou hoje. Mas é um livro muito do presente. Depois de tantos anos, eu não tenho tanto uma vida definida. Digo que tenho alguns valores definidos. O que vai ser ainda e no que vou me transformar? Não sei. Sei que sempre tem uma janela para mim. A vida é uma incógnita e sempre está em aberto.

Você diz que não gosta de olhar para trás e tem o hábito de dar as costas ao passado. O que este livro representa para você?

Marina. As coisas do passado que eu trouxe comigo são relevantes para mim, mas no meu HD não cabe tudo (risos). Quando eu olho pra frente, ainda tem uma linha de tempo enorme que ainda não sei o que é. Tem uma frase do filósofo Alain de Botton que eu reproduzo no capítulo chamado “Espelho”. Uma das maneiras de você permanecer eternamente jovem é descobrir camadas de insegurança suas. Você descobre camadas que não conseguiu dominar, e isso te instiga a amadurecer.

Você parece encarar o futuro com tranquilidade.

Marina. Na realidade, como você escolhe viver é que te torna o que você é. Eu estou na segunda metade da minha vida. Se a gente considerar que 50 anos é o ápice, então estou no auge. Eu me preocupo com a questão da saúde, do envelhecer bem. Mas como ela está boa, me dá um certo conforto (risos). Ainda me vejo trabalhando muito. Quero trabalhar muito com música! Eu sou muito ligada em música, sou enlouquecida pelo ouvido, a audição é um sentido muito forte em mim.

E na escrita, como você enxerga isso?

Marina. Comecei a escrever compondo com meu irmão (Antônio Cícero). Não tinha paciência de escrever texto à mão. Mas o computador e a internet me trouxeram esse exercício da escrita. Eu vinha escrevendo no meu blog, e esse livro foi uma coisa mais ambiciosa. Mas não é convencional, é um caderno de afetos. Mas, de certa maneira, esse livro é um jeito que eu encontrei de me reapresentar.

Você tem vontade de escrever mais?

Marina. Sim, tenho muita. Mas eu vejo musicalidade em tudo, até em escrever textos. Tem vezes que a musicalidade vem tão silenciosa, que só eu ouço. É muito provável que eu faça um disco ano que vem. Não adianta me afastar da música, eu volto correndo.

Virginianos são metódicos e detalhistas demais. Como virginiana, foi difícil terminar o livro?

Marina. Só consegui terminar o livro quando a cabala me disse que eu sou libra (risos). Aí eu disse: vou dar um stop aqui. Apesar de ser virginiana e planejar muito, a vida é muito inesperada e traz coisas que se apresentam para a gente como possibilidades.

Fale um pouco sobre sua relação com a cabala.

Marina. Não gosto muito de falar sobre “espiritualidade”. Mas a cabala para mim é uma sabedoria, é uma equação mágica, são regras espirituais do jogo da vida. É quase uma filosofia. Os gregos falavam muito sobre ética. Eu não me interesso por ensinamentos morais. Acho que o importante é a gente aprender ética e como lidar com o próximo. A cabala é isso, só que matematicamente. Para nós, virginianos, isso é um prato cheio! (risos)

E o que você aprendeu com isso?

Marina. A cabala já está incorporada em mim. Esse processo todo já faz parte da minha personalidade. Eu tenho essa capacidade de analisar as coisas, e hoje eu vejo esse lado racional não mais como um inimigo.

Mas você ainda não vestiu a camisa de libriana, né?

Marina. Bem, eu ainda me vejo como virginiana. Não estou pronta para entrar no (signo de) libra. Ainda estou no meio (risos).

E como foi a participação dos seus amigos na criação do livro?

Marina. Cada pessoa me fez olhar para um ponto que é importante da minha vida. O Zé Pedro (DJ), por exemplo. A gente se encontrou para falar sobre a minha discografia. E ele queria que eu fizesse uma análise autoral, sabe? O próprio artista falando por que fez aquele disco. Aí vi que eu nunca dei ao público o meu olhar crítico sobre os discos. E no livro, eu comento sobre cada um deles.

Você costuma dizer que é muito desapegada do passado. Que assuntos te interessam hoje?

Marina. Música é um assunto que sempre me interessa. Gosto de vinhos, cinema, moda, de falar sobre ética, música, filmes, filosofia, amigos, experiências amorosas… Gosto muito de trocar e compartilhar algumas reflexões que são importantes para todo mundo. Talvez seja por isso que adoro ter amigos de todas as idades, gente dos 20 aos 80 anos. Fico fascinada com pessoas, e principalmente com aquelas que estão envelhecendo com sabedoria.

As suas primeiras idas aos palcos eram complicadas, lidar com o público sempre te deu um frio na barriga. Hoje, você ainda sente isso?

Marina. Me sinto muito mais tranquila. Eu sempre me via como uma compositora e, quando subia ao palco, eu tinha vergonha. Sempre achei que, para subir num palco, tinha que ter algo a mostrar. Quando eu comecei a cantar, as mulheres tinham que ter um charme especial. Não bastava tocar e ter algo importante a dizer.

Você escreveu num artigo que as mulheres são inseguras em relação à sua importância histórica. Ao olhar para trás, você sente orgulho do que viveu?

Marina. Eu tenho um orgulho enorme da minha história, e acho que não acabei ainda. Admiro tudo o que fiz para chegar aqui, até os meus erros. De uma coisa eu tenho certeza: fiz o melhor que eu podia. Quando olho pra trás, não vejo nenhum tipo de ludibriação, não quis enganar ninguém.

No livro, você comenta fatos polêmicos da sua vida, como o ensaio para a Playboy e a sexualidade. O fato é que você não se esquiva de tocar em todos os assuntos e dar sua opinião sobre eles…

Marina. Sim, falo o que penso. É interessante, a minha música sempre foi autoral. Elas sempre foram histórias que traziam muitos dados biográficos do que eu estava vivendo. Com ou sem parcerias, pode ter certeza que estou falando da minha vida ali. Mas no livro eu não tinha ritmo, tom, melodia. Então, talvez, através da escrita, eu seja ainda mais clara e direta, sem usar subterfúgios.

Você admite que o isolamento é uma zona de conforto. Mas ao mesmo tempo se pergunta se vale a pena tanta busca. Hoje, para você, o silêncio é uma liberdade ou uma prisão?

Marina. Eu acho que para mim isso é uma grande questão, de fato! É algo que tem a ver com o todo e que sempre permeou minha vida. Para mim, na maior parte do tempo, o silêncio é uma liberdade sim. É um momento para colocar em ordem tudo o que eu aprendo. Mas, em alguns momentos, ele também foi meu estigma. Ele foi uma escolha que tive que fazer por algum medo. No meu dia a dia, tento dominar melhor as zonas de perigo, e isso é muito bom. Mas a vida é assim, você não pode dizer nunca que dominou nada. Eu realmente gosto da solidão, preciso muito dela.

No livro, você fala de um duelo ainda atual: cabelos crespos versus cabelos lisos. Isso ainda te incomoda?

Marina. Não incomoda e não dou a mínima pra isso (risos). Na época, isso era uma questão importante. Quando falavam do meu cabelo alisado, eu sempre achei que era uma invasão à minha liberdade. As pessoas que não tinham nada a ver com isso opinavam. Bem, geralmente quem se incomodava com isso eram as mulheres que tinham cabelo liso (risos). O que eu sinto é que, antigamente, esse “mérito” era só delas. Depois que inventaram a progressiva… Acho que as mulheres de cabelos lisos naturais perderam poder (risos).

Você mudou do Rio para São Paulo. Você gosta de morar em São Paulo?

Marina. Gosto muito de morar em São Paulo. Acho que foi uma sábia decisão pra minha vida e para a minha carreira. A cidade me deu muito gás e me fez muito bem. A dinâmica da cidade é muito diferente da do Rio. Lá, a palavra é beleza. Aqui, a palavra é produção. No momento em que eu estava, precisava muito disso.

No final do livro tem uma receita de um drink. Que drink é esse?

Marina. É um drink que eu adoro! Meu pai adorava bebidas, principalmente whisky. Aprendi a gostar, mas é uma bebida forte. Não bebo muito, bebo mais vinho hoje em dia. Mas tem uma bebida chamada Whisky Sour que é deliciosa. É um coquetel que você consegue sentir realmente o sabor. É para quando você vai encontrar alguém e quer que algo aconteça (risos).

Leia mais em: http://www.saraivaconteudo.com.br/Entrevistas/Post/48833